Querida Natália,
Lembrei-me de si novamente, por de entre tantas memórias que teimam vir ao de cima surgiu a sua.
Já nem se contam pelos dedos os anos que se passaram desde o nosso último encontro, de tal forma que por vezes chego mesmo a esquecer as suas feições e isso deixa um vazio, uma azia que me leva a pegar de imediato em fotografias empoeiradas esquecidas nas estantes de casa somente para garantir a sua existência.
As minhas memórias de si já são reduzidas, talvez ligeiramente adulteradas porque o tempo não perdoa e passa para todos, são memórias de acontecimentos de importância mínima mas são memórias de si Natália.
Hoje deixe-me que lhe diga, finalmente libertei os demónios de culpa que me atormentavam desde que partiu. Fiquei sempre nos "e se", "e se eu me tivesse portado melhor", "e se eu não tivesse feito pressão para que saísse", "e se eu a pudesse ter visto uma última vez". A culpa nunca poderia ter sido minha, mas quando se é criança, a percepção da realidade é diferente. E eu nunca tive culpa da sua fragilidade e muito menos da sua partida, agora sei.
Apesar de tudo, de me lembrar como se fosse hoje a maneira de como chorei naquele dia, de me lembrar como as palavras me bateram de frente e me deixaram sem rumo, o que interessa é que, sempre acreditei que você viria a ser uma estrela, a mais brilhante no céu, a guiar-nos perante os obstáculos da vida. Não sei se alguém me contou esta história das estrelas ou se por e simplesmente tirei a ideia dos filmes de animação da época mas sei que me ajudou a ultrapassar a dor, aquela pontada no coração que teimava em não ir embora.
Em resumo, a saudade de si permanece e a procura da estrela mais cintilante mantem-se incessante porque apesar de tudo, ainda me sinto aquela criança que precisava de conforto e carinho seu.
Da sempre sua,
Nicole
